Sobre como "viajamos" tecnologicamente
21/05/2018
- No Brasil, cerca de 12 milhões de pessoas com mais de 15
anos de idade não conseguem efetuar a comunicação utilizando uma tecnologia que
nos acompanha há quase 3 mil anos, anterior ao Cristianismo, e que dispõe de
profundo enraizamento em praticamente todas as culturas mundiais: a escrita.
- Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2018), 7% da população brasileira ainda sofre com o
analfabetismo e quase 36% dos nossos compatriotas podem ser considerados
analfabetos funcionais, que é quando a pessoa conhece a língua escrita, lê e escreve,
mas tem sérias dificuldades para compreender um texto, limita-se a compreender
pequenos bilhetes, segundo o IBGE (2010). Somando isso a outros dados
alarmantes, como os 18% de analfabetos totais de Alagoas - a maior taxa por
estado - ou os 25 milhões de pessoas em idade escolar fora da escola, pode-se
identificar pelo menos um sinal claro da irresponsabilidade política para a
resolução deste e de outros problemas por ele ocasionados: total descaso com a
educação pública.
- A geração nem-nem,
como vem sendo chamada a grande parcela dos jovens entre 15 e 29 anos que não
estudam nem trabalham, atingiu a marca dos 8 milhões em um universo de
aproximadamente 50 milhões: quase 20% do total. É certo que a maior parcela dos
analfabetos está na idade adulta, os números chegam a 44% de idosos que não
sabem ler ou escrever. E as diferenças regionais também são representativas: de
quase 15% no Nordeste para menos de 4% na Região Sul, em números totais do
analfabetismo adulto.
- Um em cada cinco brasileiros entre 18 e 25 anos não trabalha nem estuda. É a chamada "geração nem-nem", dimensionada em estudos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Esses jovens são vítimas de um "desalento estrutural", como analisou Fernando de Holanda Filho, professor da Fundação Getúlio Vargas, ao jornal O Globo (16/9). Ou seja: são pessoas que desistiram de procurar trabalho, porque não têm quase nenhuma qualificação, e tampouco querem voltar a estudar, porque não se sentem atraídas pela escola (ESTADO DE SÃO PAULO, 2018).
- Sobre a "atração" da escola, falaremos adiante neste e,
mais oportunamente, nos próximos textos, mas o que nos intriga nesse momento é
que esse "desalento", essa "bomba-relógio" (como previa Darcy Ribeiro), esse
descaso em nível nacional é um fato extremamente preocupante para o país como
um todo - independente de classes, pois reforça e estigmatiza diferenças
sociais, regionais e etárias, promove a exclusão e atravanca o desenvolvimento
tecnológico, científico, sociocultural.
- Pior é que isso acontece ao mesmo tempo em que estamos vivenciando
o período do surgimento de um novo tipo de linguagem de mídia a partir da convergência
dos meios de comunicação e da possibilidade de interação simultânea de qualquer
lugar do planeta. Ou seja, enquanto o mundo se pluraliza, se informa e se reinventa,
o Brasil pena para conseguir manter-se vivo diante da armada de tecnologia que
movimenta o mundo.
- Não é um pensamento fatalista, mas usando uma analogia de
uma corrida, poderíamos dizer que, enquanto os países ricos (e desenvolvidos)
viajam em trens-bala, sem esforços braçais e em velocidades inimagináveis, o
Brasil aparece na disputa em sua pesada charrete de ouro e prata, puxada por
cavalos baios montados por mestiços pardos que nada queriam disputar.
- Nos trens japoneses ou alemães, os smartphones, conectados em excelentes redes wi-fi, funcionam plenamente durante toda a viagem. Estão convergidos
por diversas mídias, possibilitando o usuário jogar online, assistir à programação da TV (no canal de sua preferência),
ao tempo em que envia mensagens, textos e áudios aos seus contatos e acessa os
noticiários em mídias escritas ou audiovisuais do mundo inteiro. Sem mencionar
que os horários dos transportes públicos são rigorosamente respeitados e as
informações estão dispostas digitalmente em terminais de consulta.
- Na viagem analógica da charrete brasileira, sob estradas
mal conservadas e roteiros previamente desobedecidos pela impontualidade dos
imprevistos e burocracia, os viajantes dispõem de meios e equipamentos inoperantes
o que causa a insuficiência nas redes de comunicação online, além da natural de dificuldade na compreensão das mídias. Os
serviços de informação são incapazes de evitar equívocos e a inoperância de
alguns setores atrapalham o procedimento da chegada no local e tempo exatos. Chegamos,
mas estamos sempre atrasados.
- Ainda que a noção de lugar esteja caminhando para um
abstracionismo irremediável. Segundo Lemos (2017), a "globalização vem
desarticular fronteiras e limites". Os locais não podem mais ser considerados
estanques, paralisados. Nem em espaço nem em tempo. Para Attali, o e-mail e,
depois, o número de telefone celular, foram os primeiros "endereços não
territoriais". A mobilidade informacional atual se dá pela interface entre o
espaço eletrônico
e o espaço físico e que,
segundo Lemos
(2017), esta situação informacional do
século XXI encontra-se na cultura da mobilidade e o seu princípio fundamental.
- A comunicação se estabelece nessa dinâmica do móvel-imóvel. Comunicar-se é deslocar-se, transpor-se. A comunicação implica movimento de informação e movimento social: saída de si no diálogo com o outro e fluxo de mensagens carregadas por diversos suportes, daí a necessidade de uma sinergia de meios, mídias, formas, informações. A internet então vem ser a metamorfose dessa fluidez social. Como nômades antigos, a mobilidade não é uma novidade e não nasce com os dispositivos portáteis digitais e as redes sem fio da sociedade da informação. Jacques Attali (2003) mostra como a mobilidade é característica essencial da nossa espécie. O deslocar-se é próprio do ser humano, ainda que, para isso, não precise carregar seu corpo físico.
- Ainda bem para o Brasil. Apesar do cansaço de nossos cavalos, da má vontade dos pardos com a insanidade do "ter sempre mais" e dos desvios imediatistas da corrupção, agravados pela lentidão causada pela burocracia, temos excelentes condutores, ainda que isso jamis equilibre a disputa. Os "ayrton-senna" do presente são os pesquisadores brasileiros que operam o desenvolvimento científico e tecnológico a duras penas, promovendo melhorias significativas e nos mantendo na corrida.